A preocupação com ruídos políticos e o rumo das reformas no Brasil tomou uma nova dimensão e elevou de forma mais clara o nível do prêmio de risco exigido pelos investidores para aplicar em ativos domésticos. Por ora, a correção de preços está longe de indicar fuga de investidores ou aposta negativa no país. Mas mostra que a convicção com a consolidação do cenário de aprovação da reforma da Previdência sofre algum abalo.
O movimento mais evidente do mercado foi no dólar, que subiu 1,34% ontem, a R$ 3,1378, na maior alta em duas semanas e para o maior patamar em sete pregões. O real teve o desempenho mais fraco entre 33 moedas nesta sessão.
O grau de incerteza com o câmbio, medido pela volatilidade implícita, experimentou a maior alta desde os dias seguintes à eleição americana, há quase cinco meses.
Também o custo do CDS de cinco anos ("credit default swap", seguro contra calote da dívida) do Brasil subiu 3 pontosbase, para 242 pontos, maior nível desde 3 de fevereiro. A alta ocorreu na contramão do movimento de outros emergentes: os prêmios de risco de México, Colômbia e África do Sul, por exemplo, terminaram a sessão em queda de
3 pontos.
No centro desse movimento está a ideia de que o governo corre o risco de precisar fazer mais
concessões para obter a aprovação de reformas, sobretudo a da Previdência. A exclusão de servidores municipais e estaduais da reforma da Previdência já
causou ruídos na quartafeira, e as incertezas ganharam força com a frustração pela não divulgação do contingenciamento do Orçamento. Completando o fluxo de notícias ruins, o placar da votação do projeto de lei que permite terceirização em empresas privadas e no serviço público foi considerado apertado, sugerindo alguma diluição da base aliada do governo no Congresso Nacional.
"Ainda não há mudança estrutural de expectativa, mas é natural que o mercado ajuste os preços para considerar mais riscos de algum revés no caminho da reforma da Previdência", diz o economista do Banco Pine Marco Caruso.
No mercado de ações, a bolsa de valores não chegou a fechar em baixa, mas
tampouco viu compras a despeito do tombo de quase 3% da terçafeira.
O Ibovespa terminou praticamente estável, com variação positiva de 0,01%, aos
63.531 pontos. Desde a máxima em seis anos alcançada em meados de fevereiro,
o principal índice do mercado acionário local acumula baixa de 8%. A percepção de risco maior é evidenciada também pelo aumento da volatilidade implícita. Um índice negociado nos
Estados Unidos e que mede a expectativa de variação dos preços das ações brasileiras bateu ontem uma máxima desde meados de dezembro.
O investidor estrangeiro já vem dando demonstrações de cautela com o desempenho da bolsa brasileira desde o início de março e retirou, até o dia 21, R$ 3,036 bilhões. Não há evidências de que esse dinheiro tenha deixado o país, dado o desempenho ainda considerado bem comprotado do câmbio, mas realocando para outros ativos, mais seguros, à espera do desenrolar da pesada agenda de eventos dos últimos dias.
O mercado começou o mês sob o risco de o Federal Reserve (Fed, BC americano) indicar aperto monetário mais intenso do que o previsto, o que não se confirmou. Agora, parece esperar a confirmação de que a reforma da Previdência será aprovada a contento para definir novas estratégias.
O operador de renda fixa da gestora Quantitas Matheus Gallina diz que, para o mercado, o resultado da votação do projeto de terceirização soou como um recado ao governo. "A sinalização faz com que o mercado tenha essa percepção de uma maior dificuldade de aprovação da reforma no Congresso."
No mercado de juros em que a expectativa de alívio monetário vem prevalecendo e justificou
redução importante das taxas nas últimas semanas também se observou nesta semana deterioração do apetite por risco. Uma boa medida dessa piora é a chamada inclinação entre os DIs com prazo em janeiro de 2021 e janeiro de 2019, que encerrou a sessão com 45 pontosbase, ainda próxima de máximas recentes.
Em outro sinal, as Letras do Tesouro Nacional (LTN) títulos prefixados de prazos mais curtos vendidas pelo Tesouro ontem saíram a taxas mais elevadas que o consenso de mercado, numa indicação de que investidores demandaram mais prêmio para financiar a dívida pública.
"O placar apertado do projeto de terceirização na Câmara com algumas dissidências da base aliada traz preocupação, porque pode prejudicar votações futuras", diz Thiago Castellan Castro, da Renascença.
Para a MCM, o governo "perdeu um argumento forte" a favor da reforma da Previdência: o de que projeto era geral e atingiria praticamente todos os trabalhadores, com exceção dos militares. A casa entende que o recuo do governo reforça o cenário de que a reforma será aprovada até agosto ou setembro, em versão "desidratada", mas com manutenção da idade mínima de 65 anos para aposentadoria "ao menos" para homens.
Para a consultoria, já está na hora de o governo construir a maioria de 308 votos para garantir a aprovação da proposta no plenário da Câmara dos Deputados, o que requer concessões, segundo a MCM. "O resultado final não será o ideal do ponto de vista fiscal e econômico. Será o possível, dadas as condicionalidades políticas", avalia a consultoria em relatório. (Colaborou
Lucinda Pinto)
FONTE: http://www.valor.com.br/financas/4912142/volatilidade-do-mercado-cresce-com-receio-fiscal