Exterior e cautela local pressionam real

O firme ajuste de baixa das moedas emergentes nos últimos dias não tem poupado o mercado brasileiro e ajuda a explicar a alta do dólar ontem para acima de R$ 3,20, voltando aos níveis de janeiro. Por ora, analistas evitam falar em fim do interregno benigno, ao qual o Banco Central já atribuiu mais ponderações recentemente. Mas alertam que uma elevação
do nível de estresse no exterior neste momento poderia ter repercussões mais fortes no Brasil, devido ao recrudescimento das preocupações domésticas com o ajuste fiscal.
Um indicador da maior sensibilidade do mercado local vem dos contratos de Credit Default Swaps (CDS), que funcionam como um seguro contra calote da dívida soberana. Ontem, o CDS de cinco anos do Brasil subiu seis pontos, na maior alta entre os principais mercados emergentes. Na semana, o CDS brasileiro fica estável, num desempenho comparativamente
pior. Já o prêmio de risco da Argentina cede 11 pontos na semana e o da Rússia cai sete pontos. Mesmo o México, país afetado por receios de políticas protecionistas dos EUA, vê seu prêmio de risco recuar quatro pontos no período.
A cautela maior com os ativos domésticos é expressa também nas recomendações de estratégia. O BofA Merrill Lynch, por exemplo, segue composição vendida em real ante o peso argentino, ainda na expectativa de mais fluxos ao país vizinho e de diferencial de juros negativo para a moeda brasileira.


Ontem, o dólar subiu 0,70%, a R$ 3,1724 maior patamar de encerramento desde 9 de março. Na máxima, a cotação foi a R$ 3,2071, pico desde 19 de janeiro. A alta levou a moeda a romper ou se aproximar de algumas importantes resistências, o que acabou atraindo vendas. Ao longo do pregão, o dólar superou a média móvel de 100 dias, de R$ 3,1888. Ao mesmo tempo, flertou com a média de 200 dias, de R$ 3,2192.

Segundo operadores, a semana ainda deve reservar volatilidade, também porque até sextafeira
investidores vão intensificar operações ligadas à formação da Ptax de fechamento do mês. A Ptax é a taxa de referência para liquidação de contratos futuros e outros derivativos, calculada pelo Banco Central.

Mas a volatilidade relacionada à Ptax tende a ser temporária, perdendo força após a definição da taxa, na última sessão do mês. O mesmo não pode ser dito sobre o risco externo, que não vinha sendo contabilizado nos cenários.
No centro desse debate está a ideia de que alguns elementos do "Trump trade" podem estar de volta. Essa expressão diz respeito a apostas construídas com base na expectativa de que um expansionismo fiscal nos Estados Unidos poderia dar fôlego adicional à economia americana, abrindo caminho para mais altas de juros pelo Federal Reserve (Fed, BC
americano).


Ainda não se discutem elevações adicionais de taxas pelo Fed, mas os discursos recentes do presidente americano, Donald Trump, no sentido de afrouxar a política fiscal sinalizam que ele perseguirá essa agenda, o que mantém no radar chances de reflação e, por tabela, de juros mais altos.


Mesmo com o ajuste de alta do dólar no Brasil, ainda não há consenso sobre se os níveis do câmbio parecem atrativos para posições favoráveis ao real o que, no mínimo, mantém à mesa chances de a moeda americana testar novas máximas.
O estrategista chefe global para moedas emergentes do banco Brown Brothers Harriman, Win Thin, ainda vê o dólar "barato", mesmo oscilando perto de R$3,20. O estrategista diz ser questão de tempo a moeda alcançar R$ 3,25, mas já admite rever projeções para cima, dada a ausência de fatores adicionais de suporte ao real no curto prazo. "Os investidores subestimaram os riscos para moedas emergentes de maneira geral. E agora têm sido confrontados por essa realidade", afirma.


No fim da tarde, o rublo russo e o rand sulafricano caíam cerca de 1,7%, enquanto o peso mexicano perdia 1,6%. A moeda da Colômbia retrocedia 1,1%. A correção de baixa voltou a pressionar os retornos das operações de arbitragem com taxas de juros conhecidas no mercado financeiro como "carry trade". Um índice do Deutsche Bank que mede a rentabilidade dessas estratégias cedeu 1,39% nos últimos dois dias, maior queda para o período em um mês.
O sóciogestor da Rosenberg Associados, Marcos Mollica, ainda vê mais riscos aos mercados domésticos oriundos de temas locais. O gestor avalia que o governo não tem obtido o suporte esperado para a aprovação da reforma da Previdência, o que eleva preocupações de uma desidratação do projeto. "Enquanto o governo não tiver o suporte e colocar
para votação, só aumenta a insegurança no mercado", diz.

SOURCE: http://www.valor.com.br/financas/4950148/exterior-e-cautela-local-pressionam-real#